Peregrinando...Trovas * José Fabiano - MG 1974

José Fabiano - Trovador
*
PEREGRINANDO...


NOTA EXPLICATIVA

Por todo o ano de 1973, residimos, minha família e eu, em Uberaba, minha cidade natal.
Durante a permanência naquele abençoado recanto de Minas Gerais, aproveitamos a oportunidade concedida pela Providência Divina e convivemos com inúmeros irmãos, com quem muito aprendemos em assuntos doutrinários, e a quem mais uma vez externamos agradecimentos.
Nos sábados, à noite, dirigíamo-nos à Comunhão Espírita Cristã, com o fim de também participarmos das "peregrinações"do irmão Chico Xavier, conhecidas de todo o Brasil espírita.
A princípio timidamente, mas, em seguida, mais à vontade, encorajado pela bondade e tolerância do Chico e dos demais irmão, passei a recitar-lhes, nos intervalos das visitas aos lares, trovas que compunha em dias anteriores. Foi a maneira, a meu alcance, de demonstrar ao Chico a gratidão pelos benefícios que sua mediunidade me tem trazido, e, como a mim, à Humanidade
Daquelas noites tão ricas de prazer espiritual, permita-me, leitor amigo, relembrar episódio ocorrido em 3 de março. Havia lido, durante a "peregrinação", uma quadrinha em que expresso admiração por Cornélio Pires, na redação da qual procurei copiar-lhe o espírito. Ei-la:
     
            Penso, de tanto subires,
                  subires mesmo de fato
                  já não és Cornélio Pires,
                  mas és, sim, Cornélio... Prato!

Ao final da psicografia da noite, o Chico surpreendeu-me agradavelmente, com a leitura da resposta do Cornélio:

"Página ao Amigo Fabiano
                  Informo, contente e grato,
                  A você, meu caro irmão,
                  Que não sou Pires, nem Prato,
                  E sim Cornélio do Chão."

Com o passar do tempo, crescendo o número de trovas, ocorreu-me a idéias de publicá-las em benefício de obras assistenciais espíritas.
Amigos, então, realizaram rigorosa seleção, e, afinal na noite de 6 de outubro, estavam escolhidas as 100 trovas que compõem esse volume, que sugestivamente se intitula PEREGRINANDO.
De todas, a título de curiosidade, informo que o Chico manifestava preferência pela seguinte:
                 
Deus me dê a boa sorte
                  de, no instante da partida,
                  ser esperado na morte
                  por quem me esperou na vida.

Ao Chico, certamente, Deus lhe dará a boa sorte...
Com o mesmo amor, que me levou a compô-las, enfeixo-as, leitor amigo, nesse livrinho, despreocupado quanto ao seu valor literário, na esperança de proporcionar-lhe alguns momentos de sadia distração.
Pois, no tocante a mim, meu irmão,
      Não sei como vou trovando,
      e nem se trovas eu faço.
      Só sei que, de vez em quando,
      sai do meu peito um pedaço...

                  Belo Horizonte, 1974, março
                             O Autor.


1
Nos quatro versos da trova,
como as pontas de uma cruz,
vou cantar a Boa-Nova,
a mensagem de Jesus.
2
Rixas que a vida renova
sempre acabam num empate.
Se alguém te serve de prova,
és, para alguém, um resgate.
3
Dá-me, Jesus, outros pés,
com que acompanhe teus passos,
para seguir-te através
dos infinitos espaços.
4
Há gente que em nada atua
e é notícia volta e meia.
Tem o destino da Lua,
que brilha com luz alheia
5
Deus me dê a boa sorte
de, no instante da partida,
ser esperado na morte,
por quem me esperou na vida.
6
A bússola mostra o norte,
e a rota é bem escolhida.
Jamais te esqueças da morte,
na jornada desta vida.
7
Dos cristãos martirizados,
eu difiro apenas nisto:
morro, sim, mas aos bocados,
por amor a Jesus Cristo.
8
Caridade patenteia
esta tese de renome:
como, de barriga cheia,
dar conselho a quem tem fome?
9
Lembre-se que a falta alheia,
que você tanto critica,
se nos outros fica feia,
em você linda não fica.
10
Se não tenho, não mereço.
Para quem vou reclamar?
Deus não esquece o endereço
de quem deve visitar.
11
Censura não concretiza
o Bem pelo qual se luta.
Escuta quem não precisa;
quem precisa, não escuta.
12
Se atirar pedras eu for,
que nunca as atire a esmo,
mas, antes, tenha o valor
de atirá-las em mim mesmo.
13
Quero morrer aos pouquinhos,
conformado, sem revolta,
para lembrar os caminhos
desta viagem de volta.
14
Quem, no trânsito da vida,
abre mão da preferência,
evita sempre batida,
nunca estraga a consciência.
15
Conserva sempre contigo
a palavra que conforta,
para dizê-la ao amigo
que bater em tua porta.
16
Pequeno, sei que sou eu,
no meu atraso terreno.
Mas Jesus, se viu Zaqueu,
foi por ele ser pequeno.
17
Infeliz de quem se canse,
por crer nas coisas divinas,
não no bem a seu alcance,
mas com questões pequeninas.
18
Não te lastimes jamais
por teus pesares terrenos.
Lembra que uma dor a mais
é sempre uma dor a menos.
19
A oração, eu a defino
de modo simples até:
carta que vai ao destino,
mas tendo o selo da fé.
20
Magoa falar de corda
em morada de enforcado.
Quem tagarela, recorda
muito mal já sepultado.
21
Nesta verdade atentai,
vós que perdestes alguém:
todo aquele que vem, vai;
todo aquele que vai, vem.
22
Quero ouvir a voz amiga,
no fim da vida que trilho,
que mais uma vez me diga:
"Seja benvindo, meu filho."
23
Jesus se deu de tal sorte,
para deixar-nos libertos,
que, mesmo enfrentando a morte,
manteve os braços abertos.
24
Há sempre um bem que transluz
nesse ou naquele fiasco.
Paulo só achou Jesus,
porque falhou em Damasco.
25
Nunca penses que tiveste
sorte injusta nesta vida.
O Destino, como a veste,
tem sempre a nossa medida.
26
É mais suave, afinal,
viver praticando o bem.
Não se carrega calhau,
para atirar em ninguém.
27
Não me excedo, se revelo
o que se vê diariamente.
A língua lembra um martelo
que põe na cruz muita gente.
28
Em nossa Conta Corrente,
sempre em saldo devedor,
os créditos são somente
os nossos atos de amor!
29
É nas noites mais escuras,
cheias de mágoas infindas,
que as estrelas nas alturas
rebrilham sempre mais lindas.
30
Quem tem amigo influente,
reparte os problemas seus.
Vamos, então, minha gente,
ser sempre amigos de Deus.
31
Cristo não se reproduz
tanto em nenhuma obra de arte,
quanto no amor que conduz
o consolo em toda parte.
32
Amigos dos que são nobres,
todos querem como os seus.
Seja amigo, então, dos pobres,
grandes amigos de Deus.
33
Amor é pai, nunca atrasa.
Caridade é mãe que lida.
Se o pai põe comida em casa,
é a mãe que faz a comida.
34
Fechar a boca é bonito,
por razões que não escondo:
não entra nenhum mosquito,
nem sai nenhum marimbondo.
35
Não há, nessa Terra nossa,
algo que seja absoluto.
Jabuticaba só adoça,
quando se veste de luto.
36
Não diga nada que fira
os ditames da bondade.
Muitas vezes, a mentira
é ato de caridade.
37
De dia, a gente faz prece,
lê o Evangelho, contrito.
Mas, à noite, se adormece,
tem cada sonho esquisito...
38
Lendo o Novo Testamento,
este fato sempre assoma:
curando em todo o momento,
Jesus não tinha diploma.
39
Que teria acontecido,
responde-me, se és capaz,
se Jesus fosse escolhido
no lugar de Barrabás?
40
Vou levando o peso enorme
das cruzes a mim impostas.
Só que elas não são conforme
o jeito das minhas costas.
41
Diferem muito os amores,
mas não diferem os "ais".
Há rosas de várias cores,
de espinhos todos iguais.
42
Aqui na Terra, não queira
o carro adiante dos bois.
Antes se espinha a roseira,
para dar rosas depois.
43
Cabra-cega, a vida inteira
a dor nos põe a brincar,
procurando alguém que queira
sofrer em nosso lugar.
44
Guarda o pranto que traduz
a tristeza que te invade.
Muita lágrima produz
a ferrugem da saudade.
45
Para a semente da crença
germinar no pecador,
quanta vez vem a doença
trazer o adubo da dor.
46
Nossa boca é que revela
o que vai dentro de nós.
Eis porque tanta mazela
surge por meio da voz.
47
Se a gente, num cumprimento,
a mão, um do outro beijasse,
talvez, de um gesto violento,
muita mão se envergonhasse.
48
O muito em troca do pouco,
não nos ensinam na escola.
Deus sempre nos dá de troco,
muito mais que a nossa esmola.
49
Na dor é que se prepara
a fraternidade humana.
Se o gozo às vezes separa,
sempre o sofrer nos irmana.
50
Toda a vez que a gente está
amando alguma pessoa,
mentira é verdade má,
verdade é mentira boa. 
51
Eis, Senhor, a minha mão,
não sei como andar sozinho.
Ensina-me a direção
que me leve ao teu caminho.
52
Põe alto a fé que te anima
e que brilhe como um facho.
É vendo o degrau de cima
que se abandona o de baixo.
53
Nossa mana Caridade,
eu te quero tanto bem.
Não és igual à saudade,
não judias de ninguém.
54
Quantos de nós tem o jeito
da água corrente do rio,
revolvendo-se no leito
que não está ao seu feitio.
55
Pouca gente nota ou pensa
que quase sempre a virtude,
se aumenta com a doença,
diminui com a saúde.
56
Ó minha amada Esperança,
brincalhona e sorridente,
és um resto de criança
que fica dentro da gente.
57
Nem sempre o espinho é um mal,
ajuda à sua maneira.
Para a formiga, é degrau
na subida da roseira.
58
Deus, Senhor dos sofredores,
Pai de infinita bondade,
manda-me todas as dores,
menos a dor da saudade.
59
Se os filhos fazem cobrança,
não te lamentes jamais.
Também já foste criança
e agiste assim com teus pais.
60
Há muita gente que eu acho
semelhante à bananeira,
que solta apenas um cacho
e descansa a vida inteira.
61
Somos quais frações de amor,
sempre menores do que um,
sem ter denominador
que nos queira ser comum.
62
A gente fala em mistério,
mas mistério de verdade
é lugar sem cemitério
ou coração sem saudade.
63
Ninguém tem olho perfeito.
Quantas vezes não se ilude!
Na vida, só vê defeito.
Na morte, só vê virtude.
64
Deixa a língua sossegada,
falar do mal não convém.
A vassoura, quando usada,
sempre se suja também.
65
Ontem, tive um sonho lindo,
com Jesus assim falando:
"Cega é a Justiça, punindo,
e o Amor é cego, ajudando."
66
São feitas desta maneira,
de nossa vida, as metades:
de remorsos, a primeira,
e a segunda, de saudades.
67
Reencarnação, tribunal
sempre em sessão permanente,
a julgar o bem e o mal,
durante a vida da gente.
68
Comendo o fruto proibido,
Eva cobriu a nudez.
Por que ele não é comido
pelas Evas, outra vez?
69
Os que ante os longos cabelos,
criticam, não ficam mudos,
devem ter os mesmos zelos,
com seus erros cabeludos...
70
Num ponto de exclamação,
fui a ti com reverências.
Tu, porém, sem coração,
só me deste reticências.
71
Um fato a vida destaca,
que sempre a amar nos exorta:
o homem tem muito de faca,
quando amolado é que corta.
72
Quando em si a gente hospeda
a tristeza e o mau humor,
parece vinho que azeda,
perdendo todo o valor.
73
Oh, que cenas curiosas
dos casais agarradinhos.
Começam trocando rosas,
acabam trocando espinhos.
74
Frase posta em certos lares,
diria em forma diversa:
limpa os pés assim que entrares,
bem como a própria conversa.
75
Se meu juízo não falha,
penso poder afirmar
que a formiga só trabalha,
porque não sabe cantar.
76
A estrada, que nos conduz
aos braços do Criador,
passa por fontes de luz,
ajardinadas de amor.
77
Temperatura e moral
só incomodam a gente,
quando, sem qualquer sinal,
se transformam de repente.
78
Saudade não presta, não.
Não tem mãe, nem parentela.
Morando no coração,
coração não mora nela.
79
Não queira exigir amor,
em troca do bem que faça.
Pouca gente vê valor,
no bem que lhe dão de graça.
80
O orgulho, com sutileza,
pune quem na Ciência avança.
Por um pingo de certeza,
tira um mundo de esperança.
81
Entre elas há desafeto,
por um motivo preciso:
onde a Ciência põe seu teto,
a Fé coloca seu piso.
82
Se és sal da Terra, cuidado!
Contém o teu alvoroço.
Sê como sal refinado,
não sejas como sal grosso.
83
Um jeito humilde não basta,
como sinal de virtude.
Também a cobra se arrasta
e quem com ela se ilude?
84
Corrige, com suavidade,
a mentira onde apareça.
Pode um dia ser verdade,
basta apenas que aconteça.
85
A verdade sem disfarce,
haverá quem a prefira?
Café ruim de tomar-se,
sem o açúcar da mentira.
86
Ao viveres tua fé,
veja o carro, sem revolta,
que, com simples marcha à ré,
evita dar muita volta.
87
No templo da Humanidade,
ao viver o dia a dia,
encontro, na Caridade,
a sagrada Eucaristia.
88
Na cascavel, há quem note
a imagem do homem traiçoeiro.
Só que a cobra, ao dar o bote,
bate o chocalho, primeiro.
89
Perdão, renúncia sublime
ao desejo de vingança,
é pôr, na chaga do crime,
o bálsamo da esperança.
90
Aceita a prova qual for,
mas sem levá-la aos extremos.
Deus, como examinador,
é que sabe o que sabemos.
91
Guardarei qualquer talento,
no Banco da Caridade,
a bolsa de rendimento,
em prazo de eternidade.
92
A árvore, dando flor,
mostra os ramos à amplidão.
Depois, num gesto de amor,
oferta os frutos ao chão.
93
Deus me livre da ambição
acima da necessária.
Que eu faça, do coração,
a minha conta bancária.
94
Quero seguir a Jesus,
com minhas forças tão parcas,
pondo, no ombro, a mesma cruz
e, nas mãos, as mesmas marcas.
95
Que o rio do pensamento
escorra em leito seguro.
Rio algum fica barrento,
por correr em piso duro.
96
Quem o mendigo despreza,
por sua vida vadia,
não sabe como lhe pesa
a mão que estende vazia.
97
Assemelho-me à mandioca,
num defeito que não largo.
Toda vez que algo me choca,
surge logo o meu amargo.
98
Entender inda não pude,
por que motivo, afinal,
herda-se, em vez da virtude,
o pecado original.
99
Que vale ser a formiga,
que ao labor sempre se aferra,
se o lugar, onde se abriga,
fica debaixo da terra?
100
Se te sentes desprezado,
se ninguém vibra contigo,
lembra que tens a teu lado,
Jesus, o Divino Amigo. 
***

Um comentário:

  1. Caríssimo Trovador José Fabiano: há tempos ando à procura de um contato com o amigo para obter algum livro seu, a fim de fazer uso dele junto aos nossos alunos do Curso de Letras da Faculdade de Arcoverde - PE. Sou Delegado da UBT aqui, mestre pela UFPE e trabalho com Literatura Brasileira. será um prazer divulgá-lo. Prof. Carlos Alberto de Assis Cavalcanti - Centro de Ensino Superior de Arcoverde - PE.

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