Caixinha De Trovas - Trovas * José Fabiano - MG 1984

José Fabiano - Trovador
*
CAIXINHA DE TROVAS


A LIRA OTIMISTA DE JOSÉ FABIANO


            Quem conhece o cidadão uberabense, funcionário público, espiritualista e poeta José Fabiano, residente em Belo Horizonte, sabe, em qualquer destas qualificações, que excelente pessoa é o próprio José Fabiano

            O público amante da poesia construtiva pôde, certamente, há dez anos, apreciar aquilo que ele mesmo reconheceu estar proporcionando a todos: sadia recreação, ao lançar seu livro de estréia literária – "Peregrinando..." Era uma centena de trovas muito bem feitas, cheias de vivência e de graça.

            Agora, obviamente superados os empeços de ordem econômica que a todos nos aflige, nestes tempos difíceis, ainda que animado pela boa acolhida que mereceu, aqui temos de novo o bom Fabiano, com uma nova centúria lírico-didática, intitulada "Caixinha de Trovas". Nela, o Autor se revela aquele mesmo poeta que analisa a vida com bons olhos e de cada coisa extrai uma lição. Deste modo, sempre lhe é possível – e quanto! – firmar um conceito poético novo sobre o velho tema – vida.. Falo da vida construtiva, ou melhor, filosoficamente da vida a construir neste mundo, para o merecimento ao justo salário no outro – aquele que é eterno e bom.

            Estamos aprendendo a conviver com a civilização tecnológica, já presente e conflitante. Em tal contexto, a arte literária fica parecendo um fenômeno cultural bastante singular para a pobre mentalidade utilitarista que vai prevalecendo...

            Não obstante, caro leito, se alma temos, sempre haverá lugar para a poesia na alma das criaturas. Ela estará na sua função primordial de corporificar a expressão e veicular a comunicação daquilo mesmo que Schiller conceituou como a força que atua, de maneira inapreendida, além e acima da consciência e que, no dizer de Geir Campos, nos dá uma visão de mundo, com as melhores palavras em sua melhor ordem.

            Abrangendo, pois, juntamente, o gênero lírico, pela expansão estética, e o gênero didático, pela análise ética, a poesia de José Fabiano ora reflete o sentimentalismo e a prudência, ora a crítica e a graça, mesmo em matéria por si grave e profunda.

            Pensando bem, até que ponto não podemos dizer, com Hermann Hesse, que os imortais não gostam de coisas que devem ser levadas a sério e preferem gracejar? A seriedade – diz ele – é uma conseqüência do tempo; consiste numa superestimação do tempo.  E, falando metafisicamente o autor de  "O Lobo da Estepe", na eternidade não há tempo; a eternidade não é mais que um momento, cuja duração não vai além de um gracejo...

            Mas o "animal triste" do velho Galeno de Pérgamo continua acreditando que o certo na vida é estar sempre sério, austero, preocupado e... triste! Pois eu lhe digo, leitor, que o homem, sendo o único animal que ri, é também aquele que nem sempre saber rir ou mesmo sorrir... Já o bom-humor (filho do otimismo e da tranqüilidade)  torna tudo mais fácil, suavizando os problemas; ajuda a viver , fazendo ver a vida com bons olhos.

            Por outro aspecto, cada um de nós, é, em verdade, a soma de suas boas e más qualidade. E, se alguém nos parece mais feliz, é porque sabe vencer a própria inferioridade, quantas formas e expressões dela existam. Só não é feliz quem procura ser infeliz. "A vida é boa..." – foram as últimas palavras de Machado de  Assis, e aí está a poesia de José Fabiano, com legítima receita para a cura da infelicidade e suas manifestações...

Uberaba – MG, 1.º de março de 1984.

Fausto De Vito


Professor de Língua Portuguesa
e Literatura Brasileira

1

Com o amor no coração,
livrei-me de mal que tinha:
Minha voz, que era um trovão,
hoje é só uma trovinha...
2
Contenta-te com o que és,
sem inveja de ninguém.
Em ti, valem mais dois pés
que, na centopéia, os cem.
3
No mal contra que reclamas,
às lágrimas não dês rédeas.
Com o tempo, quantos dramas
se transformam em comédias!
4
Fazes o bem e, no entanto,
sofres tanto menoscabo.
Alguém já se tornou santo
sem o advogado do diabo.
5
Mania da humanidade,
com que me sinto infeliz,
é vestir a caridade
com a toga de juiz.
6
Entre as coisas que se dão,
a que custa mais a alguém
quase sempre é dar razão,
àquele que não a tem.
7
Na existência, muita vez,
é quando a gente tropeça
que nos sucede, talvez,
ir à frente mais depressa.
8
A bebida, que permite
enganosa alacridade,
depois de certo limite,
vira soro da verdade.
9
Ovelha do teu rebanho,
a fé, Jesus, como tarda
a ser, em mim, do tamanho
de simples grão de mostarda!
10
Quanta gente não se ilude
e como que se acostuma
a supor grande virtude
dizer que não tem nenhuma!
11
Na ajuda ao necessitado,
sugiro-te esta postura:
Não lhe dês pronto o melado,
antes dá-lhe a rapadura.
12
Talvez rireis ao saberdes
como me sinto em apuros,
se pousais os olhos verdes
em meus olhos já maduros!
13
Os fatos me dão apoio
e atestam o que te digo:
A mão que semeia o joio
não pode colher o trigo.
14
Caso um dia o homem consiga
a si mesmo conhecer,
duvido que ele então diga
que teve "muito prazer"...
15
A oração é como o salto
contra a lógica do mundo:
Vai em busca do mais alto,
quando parte do mais fundo.
16
As mãos numa chaga eu pus,
vislumbrando a fé perdida.
Tomé a teve em Jesus
e eu em minha própria vida!
17
Na maratona da vida,
uma coisa vi provada:
De Deus depende a partida;
de nós depende a chegada.
18
Se desejas ser feliz,
não queiras mais que o normal.
Ter muito bem de raiz
é raiz de muito mal.
19
Se tens que trazer à luz
pecados da vida alheia,
faze como fez Jesus,
escrevendo-os, sobre a areia.
20
Correio, por que me fazes
recordar quem não devia?
Carteiro, por que não trazes
minha carta de alforria?
21
Nos mimos que me fazias,
percebo hoje, ao recordá-los,
que eram, mamãe, tão macias
tuas mãos cheias de calos.
22
Dor, se não me dizes nada,
por mim embora inquirida,
por que te fazes lembrada,
quando te quero esquecida?
23
Quanta mão se desenrola,
dando ao mendigo surpreso,
com dez centavos de esmola,
dez cruzeiros de desprezo.
24
No que prevêem para a gente,
mesmo com coração puro,
há desejos do presente
mais que visões do futuro.
25
A justiça se assegura
de forma fatal e exata.
Quando o mal bate a fatura,
sai a dor na duplicata.
26
Formar tesouros nos céus!
Das exigências que encerra,
a que mais causa escarcéus
é diminuir os da Terra.
27
Papai Noel, descontente,
ao receber-me o recado:
pedi-lhe, como presente,
que me trouxesse o passado.
28
A gente, às vezes, se induz
a ser cirineu de alguém.
Mas busca pegar-lhe a cruz,
na parte que nos convém...
29
Escuta quem te aconselha,
mesmo te sendo inferior.
Há coisas que sabe a ovelha
e desconhece o pastor.
30
Vive tua devoção
sem excessos e extremismo.
Quem casa com religião,
tem filhos de fanatismo.
31
Há jovens que na roupagem
não ligam para a decência.
Usam tanga de selvagem,
mas sem lhe usar a inocência.
32
A saudade deve ser,
lá, no Além, aquele misto
da alegria de rever
com a dor de não ser visto.
33
Que me seja permitido
pagar o que fiz e faço,
não com a dor do gemido,
mas com a dor do cansaço.
34
Auxilia mais quem fica
na quietude de seu pranto.
Quem a dor demais explica
nem sempre padece tanto.
35
Se a consciência é tribunal,
com teu agir me convences
de que ela em ti ou vai mal,
ou vive em férias forenses...
36
Dispor o Evangelho em casa
é fácil ao moço ou velho,
mas é tarefa que arrasa
pôr a casa no Evangelho.
37
Amor há no coração
que é qual tal brasa apagando.
Se vai virando carvão,
surge a saudade soprando...
38
De Jesus, se me avizinho,
percebo a verdade amarga:
tão estreito é seu caminho
e a minha cruz é tão larga!
39
Ninguém sabe com que ardor
batalhas comigo travo,
se me chama de senhor
ela, de quem sou escravo!
40
Da memória de seus atos,
afaste erros e deslizes.
As lembranças são retratos:
Faça um álbum das felizes.
41
O amor não tem sobressalto
no tumulto da porfia:
Quando quer falar mais alto,
muitas vezes silencia.
42
De olho no custo de vida,
vivem meu filho e a consorte.
Velho, olho, em contrapartida,
bem mais o custo da morte...
43
Se tempo se perde tanto,
diga-me, aqui, ao ouvido:
Em que lugar, em que canto
posso achar tempo perdido?
44
Ser objeto é, com certeza,
humilhante e vexatório,
quer seja de cama e mesa
ou de fábrica e escritório.
45
Sempre que a dor me procura,
sou gentil qual um francês.
A ela cedo mesura
e aos outros... a minha vez.
46
Se pelo símio que queira
ser homem, risos esbanjo,
gargalhar não vou da asneira
de querer o homem ser anjo?
47
Na Fé que me traz conforto,
Às vezes, encontro escolhos.
Sem que eu já esteja morto,
insiste em fechar-me os olhos.
48
Lembro que, quando rapaz,
queria conseguir peito.
Agora, velho, ando atrás
é de conseguir respeito...
49
A vida me deu papel
a que desejo dar fim.
Quero ter menos de Abel
e um pouco mais de Caim.
50
A consciência em todos nós,
vejo por mim que tanto erro,
com quem não lhe escuta a voz
devia usar era o berro!   
51
A pose de muita gente
é vitrina para o mundo:
Tem quilômetros de frente
e milímetros de fundo.
52
A instrução é como arado
que prepara o coração,
para nele ser plantado
o jardim da educação.
53
Em luta de grande vulto,
meu livre arbítrio se cansa.
O mundo me quer adulto
e o Cristo me quer criança.
54
Vereis, quando a conhecerdes,
que não cometo exagero.
Seus olhos, embora verdes,
me trazem é desespero.
55
Quando a gente se endivida
com o empréstimo da idade,
quantos, no Banco da Vida,
são os juros da saudade!
56
Vê no pobre que te amola
o ensinamento que enseja.
na rua, roga-te a esmola
que a Deus imploras na igreja.
57
Não julgue pelo que diz
quem palestra com você.
Mobília só tem verniz
na parte que a gente vê.
58
Não creias ter sorte amiga,
se tens prazeres somente.
Quem doce apenas mastiga
pode apanhar dor de dente.
59
Quando sofreres o assédio
dos azares da existência,
melhor que tomar remédio
será tomar providência.
60
Na escola da humanidade,
ninguém aprende lição
sem o lápis da bondade
e a borracha do perdão.
61
A dor é como bandido,
destes que fazem assalto:
quem por ela é surpreendido
logo põe as mãos ao alto...
62
Ser feliz é pretensão
que em todos achamos justa,
satisfeita a condição
de não ser a nossa custa...
63
Das rebeliões, vê que o espelho
está no espectro solar:
Começam com o vermelho,
para no roxo acabar.
64
Nem todos os indolentes
são inúteis e imaturos:
madeira, quando em "dormentes",
os trilhos torna seguros.
65
Por fora bem-aparecido,
sou igual a cano d'água.
Por dentro estou corroído
pela ferrugem da mágoa.
66
De Jesus, o carpinteiro,
na morte, quanta ironia!
Findou-se preso ao madeiro,
obra de carpintaria!
67
Será a Terra, no futuro,
dos que tiverem cordura.
É da Lei que o menos duro
seja aquele que mais dura.
68
Por coisas que inda sucedem,
presumo não ser blasfêmia,
dizer que a serpente do Éden
era alguma cobra fêmea...
69
A gente imita o jornal
no erro que nos compromete.
Não é o bem, mas o mal
que de nós ganha manchete.
70
Com o lento envelhecer,
aprendi esta lição:
mais doído que morrer
é viver do coração.
71
Árvore em quintal vizinho
suja também o da gente.
Ninguém padece sozinho
perto de amigo ou parente.
72
Da Fé a Ciência não gosta,
por isso não vivem juntas.
Se a Fé consegue resposta,
a Ciência muda as perguntas.
73
As reencarnações são dadas
para que, em novo caminho,
possam as águas passadas
mover o mesmo moinho.
74
Tal qual Zaqueu pequenino,
quero também fazer jus
a encontrar, em meu destino,
árvore de ver Jesus.
75
Dá-se em mim conflito imenso
da Razão versus Instinto:
sou valente quando penso,
e covarde quando sinto.
76
É quase no fim da vida
que esta verdade percebo:
Felicidade é subida
que se tenta em pau-de-sebo.
77
Ante Deus, somos iguais.
Nenhum de nós Ele adula.
Diferente de outros pais,
Deus não tem filho caçula.
78
Se de teu filho és amigo,
quando tiver mais idade,
fala-lhe sobre o perigo
de só dizer-se a verdade.
79
O erro, que achas censurável
e criticas com ardor,
como se torna agradável,
quando ocorre a teu favor!
80
Mandando a carta da prece,
com destino à Divindade,
quanta gente não se esquece
do envelope da humildade!
81
Ninguém se livra de nada,
no refúgio das alturas.
Mangueira leva pedrada,
quando tem mangas maduras.
82
Quanta gente não assume
grande importância sem tê-la:
Vaidade de vaga-lume
que de noite imita estrela.
83
O amor sugere problema
às vezes bem complicado.
Num ponto é tal qual teorema:
precisa ser demonstrado.
84
No círculo, o amor se expressa
em sua essência divina:
não revela onde começa
e tampouco onde termina.
85
Filho pródigo, eu padeço,
pois a memória me trai:
Não me lembro do endereço
da morada de meu Pai.
86
Envelheço e, se o lamento,
é porque tenho motivo:
Vejo chegar o momento
de enfrentar a morte... ao vivo!
87
A ti, nos dias azedos,
rezo mais que o necessário.
As pontinhas de teus dedos
são contas de meu rosário.
88
Pelas migalhas que dás
aos deserdados da sorte,
não presumas que terás
um banquete após a morte.
89
Não negues benevolência
aos gestos intolerantes.
Quando alguém perde a paciência
quanta coisa perdeu antes!
90
Se "ser mãe é padecer
no paraíso", eu diria:
Ser pai é sentir prazer
em lhe fazer companhia.
91
Não dará o velho provecto
de olhar baço e merencório,
a qualquer igreja o aspecto
de ante-sala de velório?
92
Meu coração não se acanha,
quando chamado ao combate.
Quanto mais da vida apanha,
tanto mais no peito bate.
93
Quem fuma faz arremedo
que não deixa de ter graça:
menino chupando dedo,
dragão soltando fumaça...
94
Fiquei feliz na soneca
em que sonhei que era traça.
Morava na biblioteca
comendo livro... de graça!
95
Amor com amor se paga.
- Será dito verdadeiro?
Se for, tenho a impressão vaga
de meu bem ser caloteiro...
96
Tenho sonhos de menino,
devaneios de garoto.
É assim que me defino:
galho velho que dá broto.
97
Ao vício de falar mal
se puderes vencer, vence-o.
Aos vivos dá, por igual,
um minuto de silêncio.
98
Ninguém consegue ocultar-se
com a máscara que atrela:
Ao escolher o disfarce,
a pessoa se revela.
99
Poucos na escada da vida
podem fazer a ascensão,
sem que muitos na subida
lhes sirvam de corrimão.
100
Há vício a que, por justiça,
não faço críticas rudes.
Por exemplo, é por preguiça
que tenho certas virtudes...
***

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